Neste texto você não verá mais uma reação ácida à brincadeira de mau gosto feita naquele colégio particular que você já está cansado de saber o que é e ouvir muitas e muitas opiniões.
Aqui pretendo usar o ocorrido como uma alegoria de uma porta que se abre à nossa frente. Pudemos entender que o brasileiro, de forma geral e para falar apenas do nosso povo, entende o mundo do trabalho de forma superficial e mesquinha. Alguns alienados na falta de opção e outros, em uma ilusão de bolha de conforto.
Divisor de águas
O que ficou latente é que estamos em um momento que acredito ser um divisor de águas para o Brasil.
Está na hora de deixarmos a polarização de lado e tentar enxergar o nosso cenário com crítica construtiva, inteligência e manifestar o que queremos para o futuro do país.
Dei uma palestra recentemente no curso de Arquitetura da Unime, na Bahia. Tentava responder – introduzindo a Gestão de carreira e de negócios à pergunta – “O que fazer depois de formar?” e notei que minha palestra nada mais foi que uma tomada de consciência.
O que, por que e o que fazer
Isso pode mudar o país: tomar consciência do que nos incomoda, entender como chegamos no cenário e propor novos objetivos coletivos a alcançar como sociedade.
Talvez o fato de nunca termos tido uma guerra civil pode ser um grande indício de que o Brasil será uma das únicas nações a alcançar um patamar de desenvolvimento sem grandes genocídios ou banhos de sangue como temos acompanhado na História.
A seguir fiz um compêndio de alguns paradigmas que considerei críticos no momento, olhando para o passado para entender e indicando soluções e velhos hábitos a tratar. Confira:
Estabelecer um pacto contra a corrupção
O Brasil ao longo dos séculos desenvolveu um sistema de corrupção e favorecimento iniciado já na Carta de Pero Vaz de Caminha, que barganha uma posição de destaque na troca da descoberta de novas terras para a coroa portuguesa.
Segundo José Carlos Reis, talvez: a) a falta de pertencimento, a inexistência de um brasileiro (havia no início portugueses obrigados a vir buscar riquezas, escravos explorados e índios) que fosse um cidadão que conduzisse seu próprio país até bem recentemente (após a independência desfrutamos por séculos de uma nobreza x igreja x escravos x índios x miscigenados); b) um sistema de segregação social que enraizou uma relação de favorecidos x criados, o dono da casa grande levando todos os benefícios, intocável e enquanto quem trabalha segue a rotina cansativa.
Fato: temos uma casta que se mantém no poder, que lutou com todas as forças contra mudanças modernizadoras que lhes tiraria poder e um povo que deseja ardentemente ascender e se tornar parte dessa casta.
Caminho: para acabar com a corrupção precisamos de uma mudança vinda de cima e de um pacto para eliminar comportamentos de corruptelas, como o jeitinho brasileiro. Ou todos aprendemos a colher frutos de nosso trabalho aplicado para um bem coletivo, ou nos manteremos nesse sistema que apenas alguns se beneficiam.
Alguns comportamentos culturais relacionados que precisamos minar e eliminar:
- atuar e fomentar apenas o benefício de um pequeno grupo particular, sem beneficiar toda a sociedade
- pagar ou encontrar uma forma de passar na frente de processos
- sonegar impostos
- dar calote em fornecedores
- usar informação privilegiada
- cometer um erro e mantê-lo mesmo com provas contra
- tolerar artigos ilícitos
- usufruir de privilégios que signifiquem prejuízo de terceiros
- explorar um veio financeiro que pode não ser lícito “enquanto puder”
Desejar um salvador altivo
Ver um Bolsonaro, um Lula, um Huck ou um Doria ganhar notoriedade para as próximas eleições e ler um trecho do livro Identidades do Brasil, que analisa a obra Casa Grande & Senzala, me convenceu de que essa sanha por um salvador está enterrada profundamente no brasileiro.
O Senhor de Engenho era considerado uma referência altiva, heróica, máscula que guiava todos os comandados que habitavam a Casa Grande e produziam sinergicamente as riquezas para que todos… quer dizer, o Senhor mantivesse sua fortuna e tocasse a vida da fazenda.
Essa ideia de condução é antiga, primeiros seríamos conduzidos pelos portugueses que mantiveram todo esse territóriozão como uma só nação, continuamos na mesma na independência e em seguida, heróis que “arrebatavam” o poder em eleições controversas, matavam, eram assassinados, caçavam marajás sendo um, dariam voz aos pobres.
Fato: Dom Pedro. Getúlio. JK. Tancredo. Collor. Lula. A nova moda é um gestor eficiente que “não é político”. O que eles têm em comum? Heróis para o povo? Será mesmo? Quanto mais recente, mais fatos temos de que o líder altivo, enraivecido em discursos, manipulou, atuou em benefício de poucos, do mesmo jeito.
O príncipe que vira rei e leva todos no reino a serem felizes para sempre nada mais é que um imaginário coletivo, uma fantasia para aliviar a vida de pesares.
Caminho: encaremos o fato de que ninguém pode ser responsável sozinho por felicidade coletiva de forma heterogênea. Precisamos de líderes visionários que atuem pelo bem coletivo, por um equilíbrio que seja possível entre os interesses de vários grupos, sem maracutaias, sem favorecimentos, sem ações pontuais e paliativas. Equilíbrio é a chave.
Precisamos de líderes que se importem desde o condomínio até a presidência do país.
O Brasil carece de opções em infra-estrutura, de um braço do Estado que realmente entregue de volta tudo o que é recolhido em imposto que nos dá a sensação de extorsão.
Com o regime que já temos, bastava que os corpos organizacionais do governo funcionassem para já termos uma enorme diferença. Quanto você teria disponível todo o mês ao deixar de pagar o plano de saúde?
O Brasil precisa de vários desses líderes, das Câmaras municipais à Brasília. Mas como fazemos com o fato de que basta as pessoas entrarem no sistema para ou serem omissas ou serem corruptas?
Do outro lado, donos de empresa que fazem o que for preciso para escalar, que parecem beber diariamente das falas de Maquiavel. O Walmart nos EUA custa bilhões a quem paga impostos, pois seus empregados que recebem menos (uma enorme massa de pessoas) não conseguem sequer custear serviços básicos.
É isso que queremos? Precisamos, repetindo, de líderes que queiram estabelecer um pacto contra a corrupção e procurar o equilíbrio, o denominador comum que seja bom para o máximo de pessoas.
Alguns comportamentos culturais relacionados que precisamos minar e eliminar:
- se revoltar somente com o quadro particular de problemas
- se informar somente pela grande mídia, que tem donos e intenções bem particulares
- reclamar da situação do país e se conformar se a sua estiver boa
- ignorar que se há crianças em situações de risco nas favelas, seu filho também está
- se enfurecer com protestos na rua se você não protesta nas ruas
- se envolver com a política apenas pelo Facebook não é se envolver
- não estudar e não tentar embasar suas ideias em fatos
Enterrar o extrativismo
Se explora os bens do Brasil de forma arrasadora desde 1500. Tivemos ciclos seguidos do entendimento de que bastava estabelecer um comércio em que se colhia e vendia, de forma massiva.
O Pau-Brasil, açucar, ouro, pedras preciosas, café, leite, minério de ferro, agronegócio, petróleo, manganês… o que houve com a Petrobras prova que o extrativismo sempre foi uma forma de beneficiar muito mais um grupo pequeno de pessoas.
Fato: as maiores empresas (Revista Exame) do Brasil são 3 bancos, a Petrobras, a JBS e a Vale. Se entendermos que os bancos fazem verdadeiro extrativismo de dinheiro do brasileiro – estranhamente temos a maior crise financeira e os 3 maiores bancos batem recorde de lucro – e pensar que Vale e Petrobras são, de fato, empresas extrativistas, penso que o ponto está provado: o ápice empresarial do Brasil ainda é este sistema.
Tivemos uma elite agrária que lutou contra a modernização e, como nos mostrou o já citado José Carlos, tivemos modernizações em saltos, artificiais, com uma evolução da Gestão totalmente importada em momentos pontuais.
Infelizmente, nossos heróis da administração, que estamparam capas de revistas são pessoas como Eike Batista ou a família por trás da JBS. Crescimentos meteóricos nebulosos, posicionamento de magnatas, destaques na mídia, patrimônios invejáveis. É esse o sonho? Riqueza extrema a qualquer custo?
Caminho: enquanto não buscarmos o melhor na Gestão (de forma geral), não dermos valor ao trabalho de quem domina a administração de alto desempenho, não enxergarmos nossos negócios de forma sistêmica, não termos a maleabilidade para mirar oportunidades e momentos de forma lícita, valorosa e séria, vamos patinar. A difusão de Gestão de qualidade salvou os EUA da crise do final dos anos 60 (Drucker). Hoje, o modo de administração das startups está mudando os negócios, com início pequeno e rápida escalabilidade.
Alguns comportamentos culturais relacionados que precisamos minar e eliminar:
- só investir em ideias de terceiros que “só um idiota não percebe que dá muito dinheiro”
- só arriscar quando se tem certeza que dará certo (isso é impossível!)
- repetir receitas mágicas de negócios e esperar o mesmo resultado
- imobilizar todo o capital disponível ao montar o negócio e perceber que há esferas como o Marketing a investir e não se tem verba
- subestimar a importância de profissionais nas várias esferas e fases de implementação de negócios
- manter o olhar superficial nas nuances do seu negócio com tantas ferramentas para aprofundar
- ignorar o mundo online como ao menos uma vitrine campeã para o seu negócio
Banir a segregação
Ainda existe no Brasil, de forma mais ou menos velada, uma segregação por sexo, por classe, por cor, terríveis (o que nem é exclusividade nossa, mas lembro, o tema é pensar o Brasil).
Fatos, basta ver noticiários:
- pessoas que são presas por ofender outras por racismo (lembrando que o brasileiro descende do português – que por si só é miscigenado de mouros, europeus e judeus em absoluta maioria – dos negros e dos índios)
- pessoas que acessam um novo patamar de renda e deixam de relacionar com antigos amigos da região menos favorecida que moravam
- indignação de pessoas com presença de pobres dentro do avião
- pessoas em carros caros não respeitarem filas no trânsito
- grupos serem abordados dentro de Shoppings ou em manifestações por não se encaixarem no perfil de habitantes “normais”
- os infames elevadores sociais e de serviço com regras medonhas e seguidos “enganos” cometidos por porteiros e moradores
- filhos negros adotados serem “confundidos” com pedintes em locais de luxo
- jovens negros morrem às centenas nas periferias das cidades
- a reincidência no crime é praticamente absoluta, ou seja, o sistema punitivo atual praticamente não recupera pessoas
É duro, mas é uma constatação. Não há qualquer opinião acima. Uma tomada de consciência. Sim, praticamos isso diariamente, todos nós. Precisamos nos olhar no espelho e decidir quem queremos ser.
Caminho: não tolerar medidas administrativas que beneficiem parte da sociedade. Não tolerar e se envolver quando fatos absurdos acontecerem na sua frente. Querer o melhor para o seu filho e o filho da sua diarista. Exigir que as empresas se envolvam para o desenvolvimento local, para retribuir o lucro com benefícios sociais. Tolerar as diferenças, fomentar a gentileza, educar ao invés de julgar.
Transformar o “manda quem pode, obedece quem tem juízo” em “educa quem pode, aprende quem é sábio”.
A direção a tomar
Precisamos de líderes empreendedores. De corpos organizacionais que se importem, que tenham uma visão coletiva paupável.
Gestão de alto desempenho que permita às organizações serem eficientes e que beneficiem a sociedade como um tudo. Que se premie quem esforça e merece. De verdade.
Precisamos de processos inteligentes vindos de ideias com propósitos, feitos para ganhar o mundo e resolver, de fato, o sofrimentos dos clientes.
Meu sonho é ver entre as 5 maiores empresas do Brasil alguma cujo job to be done seja condizente com o que diz na página de Visão, Missão e Valores da empresa.
Ainda estamos longe disso pois não temos sequer cultura de empreendedorismo. Ainda vivemos uma geração que busca entregar o máximo possível de diferenciais competitivos para os filhos, em detrimento de filhos melhores para o mundo.
O que você acha? Há mais algum paradigma que você acredita ser fundamental?
Fontes
As Identidades do Brasil – José Carlos Reis
Empreendorismo e Inovação – Peter F. Drucker