O que a série 13 porquês, a lenda da baleia azul e indústria do tabagismo tem em comum?
Os três são exemplos marcantes da dificuldade imensa do ser humano em lidar com fatos. Explicando, fatos são ações irrefutáveis que podem provar a verdade ou a mentira. Precisamos discutir como lidamos com os fatos nesses tempos de fake news, inclusive porque afeta diretamente nossos valores em Marketing e nossa forma de empreender.
O tratamento aos fatos do Século XX à atualidade
Em recente artigo no Financial Times, Tim Halford discute como os políticos lidam com fatos inconvenientes (para eles). Notadamente no Século XX a mídia tornou-se um canal que permite aos agentes de poder uma grande liberdade no que diz respeito à esconder, manipular ou desviar o olhar das pessoas ao que realmente é ameaçador para eles: a verdade.
Precisamos discutir esse tema com cuidado, pois mesmo com a consciência dessas manipulações, nos deparamos atualmente com um paradoxo: vivemos uma Era da Informação que se torna a Era da Pós-verdade.
Fake News
Tema de discussões, alvo das grandes da Califórnia, as notícias falsas começam a ser combatidas de forma mais ampla. Estamos lentamente criando esta mentalidade de que precisamos conferir a veracidade e avaliar a utilidade do que chega a nossos olhos e ouvidos.
Mesmo assim, temos um coro de pessoas que insiste em compartilhar fluxos de fatos de origem discutível, que são simplesmente mentira e muitas vezes causam ao menos desconforto em outras pessoas.
Neste texto pretendemos mostrar pra você que há, sim, um movimento, grupos especializados e clientes poderosíssimos a quem interessa muito fomentar os mecanismos que sustentam muitos absurdos. A consciência é nosso antídoto para evoluirmos.
Opinião x Fatos
É sinistro atestar que querelas sem muito sentido ou discussões que deveriam ganhar profundidade são resolvidas baseadas em achismo e opiniões.
O diálogo, pobre coitado, tem sido relegado a coadjuvante e se amparar em ombros de estudiosos, pesquisas e teóricos tem sido argumento para taxar as pessoas.
No artigo de Tim Halford temos um belo exemplo dessa manipulação com objetivos claros de ocultação da verdade e desvio das atenções.
Sabe-se que a primeira notícia trazendo à tona pesquisas que comprovaram que o tabaco causa câncer completou 63 anos. O historiador, Robert Proctor, fez um estudo mostrando como a indústria poderosíssima do tabaco conseguiu se manter na ativa e como outras indústrias utilizam até hoje os mecanismos compilados naquela ocasião por uma firma norte-americana de Relações Públicas.
Os pilares da manipulação
Proctor cunhou o termo “Agnatologia” (tradução livre deste que escreve) que é o estudo de como a ignorância (ou seja, não enxergar ou reconhecer a verdade por trás) é produzida deliberadamente.
“Os fatos sobre o hábito de fumar – fatos irrefutáveis – de fontes inquestionáveis – não perduraram. Os fatos irrefutáveis foram refutados. As fontes inquestionáveis foram questionadas. Fatos, claro, são importantes, mas os fatos não são suficientes para ganhar este tipo de discussão” (mais uma tradução livre do autor de trecho do artigo do Financial Times).
“Vivemos a era de ouro da Agnatologia”. Diz Proctor, usando a campanha de Trump e a saída da Inglaterra da UE como exemplo. As duas campanhas foram efetivas através da polêmica e da disseminação de mentiras.
A eleição de Trump
Leia neste artigo como Trump foi ainda mais longe na questão de polemizar e manter o olhar das pessoas mais aderido à opiniões e mentiras. O número de pessoas atingidas pelas ações da empresa contratada por Trump coincide com a diferença de votos que o elegeu!
Na política poderíamos falar por horas dessa esfera de manipulação, afinal, como a indústria do tabaco, os políticos do Brasil se misturam a donos de meios de comunicação quando eles mesmos não são os próprios.
Conseguem dimensionar a importância que este assunto tem? Trump está prestes a iniciar uma Terceira Guerra Mundial, com sua vaidade e temperamento quase infantil.
13 razões
Resolvi incluir esses 2 campeões de audiência para tornar mais claro o objeto de valor deste texto. Sobre a série norte-americana, é válido exaltar o tratamento de um tema tão delicado nos meios de entretenimento. O suicídio sempre será um ponto de polêmica.
Várias pessoas apreciaram a narrativa que se desenrola até o ápice no fim da série. A intenção dos autores foi colocar o assunto em pauta e chamar a atenção para este fenômeno crescente em todo o mundo.
Porém, sob a análise irrefutável de profissionais de saúde mental, vemos que o buraco é bem mais embaixo. Algo que gera um impacto tão profundo nos espectadores deveria ter sido tratado de forma mais responsável.
Podemos refutar o fato de que a série pode ser perigosa? Não. Podemos relativizar a série ter ido ao ar e se discutir depois sobre censura? Bem, um aumento no índice de mortes entre adolescentes após a série é outro fato irrefutável que responderia a pergunta.
A Baleia Azul
O jogo da Baleia Azul nos remete à lenda do carneirinho que grita de brincadeira que o lobo está perto. Até o momento em que ele é ignorado e o lobo realmente está lá para devorá-lo. Um boato como tantos outros, de dimensão gravíssima, continua sendo repassado por pessoas bem intencionadas e chocadas e está levando inocentes verdadeiros aos consultórios.
Há na onda de mensagens relacionadas e repassadas indiscriminadamente a notícia que um jovem de uma cidade do interior de Minas ia assassinar 30 crianças de acordo com ordens do jogo e ainda continha no fim “é verdade, saiu no jornal”, como quando dizemos “um amigo disse mas não lembro quem era”.
O telefone da Polícia local ficou congestionado. A população em pânico. Se não haviam ocorrências, certamente, após isso, houve. Ou a Polícia ficou ocupada demais, como a Mamãe ovelha da lenda e pode ter deixado de impedir algum fato real e perigoso.
O poder da mentira
Voltando ao texto do Financial Times, Halford – que já trabalhou como aquele jornalista que valida os fatos – esclarece dois pontos cabais sobre os fatos e a ignorância ao seu redor:
#1 Engajamento
O maior poder de uma mentira, de um escândalo, é sua força em se manter sendo falada e replicada incessantemente. Mesmo refutada – como a notícia citada acima – a mentira tem muito mais audiência, engajamento e é replicada como em uma explosão.
Pense quantas mentiras você vê replicadas periodicamente. O golpe do vencedor da loteria que não pode sacar o prêmio faz vítimas regularmente. O que é verdade ou mentira nas delações premiadas? Quanto há de mentiras no jornal de domingo?
#2 Os fatos são chatos
O autor cita um trabalho de três pesquisadores que queriam investigar a polarização das fontes de notícias. Os cientistas acabaram publicando sobre como as pessoas leem notícias, pois de 1,2 milhões de internautas pesquisados no início, apenas 4% acessavam sites considerados fontes sérias o bastante para entrar no estudo.
Os pesquisadores consideraram problematizar as bolhas de ideologia, em que se lê apenas o que bolhas criadas por redes como o Facebook proporciona, mostrando apenas artigos de amigos que pensam igual a você, porém, a conclusão mais apropriada foi que os fatos simplesmente não interessam.
Marketing e manipulação de informações
O Dicionário Oxford declarou o termo pós-verdade a palavra de 2016. Fato: vivemos os tempos em que simulacro (já discutido em outros posts), dissimulação e mentiras importam mais que a verdade. Ao menos nas consequências.
Perceba que é como ter dois trens a toda velocidade em sentidos opostos do mesmo trilho. Em um dos sentidos está o trem do Marketing Digital, com o poder na mão dos consumidores, que com informação podem ter seus problemas resolvidos com inteligência em produtos e serviços configurados para suas necessidades e novas experiências valorosas.
De outro temos a locomotiva da Dissimulação, alimentada por grupos que poderiam gerar outros tipos de impactos na vida das pessoas.
Temos um choque grave entre essas duas vertentes. Uma não poderá conviver com a outra. As empresas que desejarem oferecer produtos e serviços terão de se importar com o ambiente em que causam impacto, com a comunidade que eles afetarão.
Conclusão
Qual será o papel da sua empresa? Ela realiza o que promete na Proposta de Valor? Ela informa e remedia as dores dos seus clientes?
Ou você precisa criar um espetáculo ao redor do seu negócio? Precisa atrair e fazer seus clientes amargarem que não era bem aquilo que pensavam no início do processo? O que vem primeiro: mostrar que se importa ou agir em oportunidades que acrescentam a todos?
Estamos criando uma consciência de que se mente muito na Internet e nas mídias tradicionais, isso é fato. Redes sociais estão sinalizando informações falsas. A ideia é permitir que as pessoas comecem a entender que o que não acrescenta, melhor nem compartilhar. O “preciso me informar melhor sobre esse assunto” vai se impor mais sobre o “olha isso!”. A balança está mexendo.
Muito em breve os negócios terão uma cobrança de responsabilidade coletiva muito maior. Vamos continuar explorando o mercado?