Uma patente concedida ao Google pelo Instituto de Patentes dos EUA no último dia 4 tem chamado a atenção não só dos entusiastas da tecnologia, mas também de quem teme pelo futuro que o avanço tecnológico pode causar.

 

A patente “Black Mirror” do Google, como está sendo chamada, teria como função produzir uma tecnologia capaz de digitalizar todos os momentos da vida off-line. Isso pode significar que em breve teremos um dispositivo registrando tudo o que entramos em contato durante o dia e guardando essa “memória” em um servidor do Google, para estar sempre à nossa disposição. E à deles também.

 

 

PRIMEIRO, POR QUE “BLACK MIRROR”?

 

A patente “Black Mirror” do Google tem sido chamada assim por conta de uma série de TV britânica que leva este nome e que aborda os efeitos da tecnologia em nossa sociedade. No episódio chamado “The Entire History of You”, que se passa em um futuro próximo, as pessoas possuem um dispositivo digital implantado em suas cabeças, que lhes permite gravar e reproduzir cada segundo de suas vidas, dos mais “importantes” aos mais banais. Mais ou menos como essa patente parece pretender.

 

Na série, o dispositivo é capaz de digitalizar, armazenar e reproduzir em vídeo todos os momentos vividos: palestras, reuniões de trabalho, festas de aniversário, almoço com os amigos… Tudo está sendo o tempo inteiro gravado, armazenado e consultado, como uma memória humana digital (mais que nunca).

 

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Cena da série Black Mirror

 

 

E O QUE DIZ A PATENTE “BLACK MIRROR” DO GOOGLE?

 

A patente, em tradução livre, reivindica o seguinte: “métodos, sistemas e aparelhos, incluindo programas de computador codificados em um meio de armazenamento do computador, para detecção de objetos” (para reproduzir a explicação mais simples). Tudo isso enquadrado em um modelo de aprendizagem discriminativa da máquina, o que quer dizer que a tecnologia pode “aprender” através de probabilidades.

 

Ou seja, trata-se de uma tecnologia “inteligente”, capaz de detectar objetos (o que inclui seres vivos e não vivos) e de codificá-los em um meio de armazenamento, para posterior utilização. A imagem abaixo mostra como é o catálogo de memórias digitalizadas em Black Mirror, uma das opções que o Google pode buscar:

 

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Exemplo de catálogo de memórias digitais, presente na série de TV Black Mirror

 

 

COMO PODE FUNCIONAR

 

Ainda no exemplo da série, a maioria das personagens absorve essa tecnologia de memória digital como uma maneira de acessar toda e qualquer informação que já se tenha entrado em contato. Lembrar nomes de pessoas, lugares, eventos, algo que lhe disseram e também consultas do que passou “despercebido” pelos olhos podem ser revistas.

 

Podemos, com isso, imaginar uma nova forma de utilizar o cérebro, realocando toda nossa memória para um dispositivo eletrônico e especializando nossa inteligência, linguagem ou conduta. Nossa maneira de adquirir consciência pode ser bastante alterada, com a percepção ficando a segundo plano, passível de ser consultada posteriormente.

 

Já o principal alerta da série diz respeito às consequências psicológicas e emocionais de quem faz uso da tecnologia. Egoísmo, insegurança e um pouco de imaginação se unem frequentemente na trama, agravados pela possibilidade de poder rever e associar informações quantas vezes forem necessárias.

 

“Será que ela foi espontânea ao rir da minha piada? O que ele me contou no primeiro encontro foi verdadeiro? A troca de olhares entre eles tinha algo a mais? Devo reproduzir exatamente o que ele me disse, para confirmar meu argumento?” Estes são alguns dos questionamentos cotidianos que muitos de nós já fazemos, e que se tornam possíveis de rever ponto a ponto através do dispositivo, para tirar novas conclusões (assim somos os seres humanos).

 

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Cena de Black Mirror: Estamos preparados para lidar com esse tipo de tecnologia?

 

 

A TECNOLOGIA É REAL

 

Coloque todas essas possibilidades de gravação, catalogação e reprodução em um dispositivo wearable como o Google Glass, por exemplo, e pronto! Você já tem uma câmera captando todos os momentos do seu dia e catalogando tudo na nuvem, para ser acessada quando quiser, de onde quiser. Isso nos mostra o quanto essa tecnologia está próxima de se concretizar.

 

Além disso, seu funcionamento  pode ser bastante similar ao do Google Photos, em que as imagens captadas a partir de um dispositivo móvel (seu smartphone) são gravadas automaticamente na nuvem, e você pode acessá-las por data, local, pessoas e outros filtros de catalogação.

 

E para quem não acredita em algum futuro para o Google Glass, recebemos há pouco tempo o anúncio das “lentes biônicas”, que prometem uma “super-visão” a seres humanos, a partir de projeções digitais. Uma simples cirurgia de 8 minutos pode permitir a aplicação dessa lente digital, que ainda promete corrigir problemas de vista e evitar cataratas. A associação da “super-lente” com o dispositivo “black mirror” do Google torna-se uma realidade cada vez mais fácil de imaginar.

 

 

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Enquanto ferramenta de gravação, um dispositivo wearable se mostra conveniente e prático. Teoricamente, você possui total controle sobre o que é gravado por sua câmera e total acesso ao que é armazenado na nuvem, através de backup. Mas o problema é que não é só você.

 

 

PORQUE TEMER UM “BLACK MIRROR”?

 

Os últimos escândalos de vazamento de dados apontam a fragilidade dos sistemas de armazenamento on-line atuais. Sem contar nas permissões concedidas a muitos aplicativos que instalamos, muitas vezes, sem compreender totalmente suas implicações. Quem, afinal, tem acesso às informações geradas por seus dispositivos eletrônicos? A quantas empresas você já deu permissão de coletar seus dados pessoais, ao utilizar determinado aplicativo ou rede? E ilegalmente, quantos malwares já interceptaram informações suas?

 

Ainda é difícil perceber as consequências da quantidade de dados gerados por nós e compartilhados com toda a sociedade. O fato de as leis dificilmente acompanharem a dinâmica das novas tecnologias agrava ainda mais essa preocupação. O que vai impedir que minha intimidade com outra pessoa seja compartilhada, por exemplo? Até onde vai meu direito de privacidade e onde começa o direito do outro de registrar e compartilhar sua rotina?

 

É uma pena que o debate não esteja tão presente na mídia e que as consequências do uso da tecnologia não sejam planejadas por cada um de nós. Você confia entregar toda a sua rotina ao Google? Ou existe algo que deveria permanecer “protegido” do acesso por outras pessoas ou instituições privadas? Ou melhor, você usaria uma câmera à la Black Mirror do Google? Em breve ela deve estar à disposição. Você acha que estará preparado para usar?

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