Em continuidade ao post que escrevi a respeito dos conceitos de Ergonomia e a Interação Humano-Computador, onde pudemos entender a sua relação com a interpretação dos desejos dos nossos clientes e formas que podemos surpreendê-los e cativá-los, venho falar com mais detalhes sobre o Design de Experiência e trazer um grande exemplo de sua boa aplicação e os resultados que podemos obter, o case da Heineken Experience.
DESIGN DE EXPERIÊNCIA
O design de experiência, ou o User Experience Design (UXD), é “[…]uma coleção de métodos aplicados ao processo de design de experiências interativas. Encoraja o designer a tornar a qualidade da experiência do usuário a principal preocupação.” (ALLANWOOD; BEARE, 2014). Em uma realidade onde os produtos e serviços têm cada vez menos diferenciação entre si, as empresas têm aprendido que o consumidor deve ser o seu grande foco e é preciso entender não apenas o que ele necessita, mas como ele pensa, o que faz, com quem convive e o que lhe deixa satisfeito. É compreendendo o seu interior que podemos prever e fornecer aquilo que será considerado como valioso para a sua vida agora e no futuro, sendo esse um passo crucial em busca da vantagem competitiva.
Para tanto, precisa-se olhar cada vez mais para dentro de cada usuário e enxergar as suas verdadeiras emoções e o que os motiva em diversos aspectos de sua vida. De acordo com Norman (2005), o Homem tem atributos mentais que o separa dos demais animais e que a nossa capacidade criativa aliada a nossa consciência e habilidade de aprender novas coisas nos faz lidar com situações de forma diferenciada.
Segundo o autor, esses atributos resultam de três níveis diferentes em nosso cérebro. O visceral, responsável por nossas reações automáticas – sendo a camada mais superficial -, o nível comportamental, parte que contém os processos que controlam nosso comportamento usual, e a mais profunda região, o nível reflexivo, que considera nossa capacidade mais intelectual e pensativa. Todos esses elementos formam o nosso intelecto e influenciam as nossas ações, sejam elas as mais simples, como fugir de uma superfície demasiadamente quente, ou complexa como decidir entre um produto e outro, uma marca em detrimento de outra.
Quem consegue atingir níveis tão profundos, cria no consumidor uma sensação forte de satisfação e confiança, que ele vai carregar por muito tempo, isso se a empresa compreender que essa é a chave para assegurar um sucesso sustentável, garantindo a busca constante por excelência através do UXD e transformando o usuário em muito mais que um cliente, mas um verdadeiro admirador da marca e dos valores cultivados por ela.
Segundo Norman (2008), existe um fator que age diretamente nos 3 níveis do nosso intelecto – o tempo. O autor diz que as faces visceral e comportamental do cérebro estão ligadas ao “agora”, aos seus sentimentos e experiências relacionados à visualização e utilização dos produtos, sistemas ou ambientes. Já o nível reflexivo está relacionado aos aspectos de longo prazo, já que através da reflexão nos lembramos do passado e contemplamos o futuro. Traduzir esses elementos intangíveis por meio dos artefatos, sistemas e ambientes é o papel da equipe de design e toda a sua interdisciplinaridade, hoje verificada como característica marcante para a melhor visualização de todo o cenário em que o desafio está inserido. “Designers precisam considerar o impacto de sua atividade nas pessoas para quem ele está projetando e criar trabalhos que mostram a compreensão de suas necessidades.” (ALLANWOOD; BAERE, 2014, p. 16, tradução nossa).
Conseguimos visualizar atualmente a aplicação de tais conceitos de várias formas nas ações de relacionamento das marcas com os consumidores. Segundo Arruda (2013), as experiências de uma marca não são exclusivas do espaço digital. “Como exemplos de negócios embasados em experiência podemos citar os parques temáticos da Disney ou mesmo a cidade temática construída pela Volkswagen na Alemanha, as lojas Sony Style, da Sony, e a Apple Store de Nova York, São Francisco e Londres.” (ARRUDA, 2013). O que esses locais têm em comum é a imersão dos consumidores através de experiências interativas e um projeto de design focado em suas necessidades e desejos, evocando muito mais do que aspectos estéticos ou funcionais, mas implementando emoção em tudo o que compõe os espaços, incluindo sua iluminação, uso de cores e sons, e um grande cuidado com o uso de peças comunicativas, a ergonomia e usabilidade do espaço.
Outro exemplo famoso de espaço interativo, desenvolvido a partir de ferramentas de UXD é o estudo de caso do presente artigo, a Heineken Experience, museu e centro de entretenimento da cervejaria holandesa Heineken, em Amsterdã.
O CASE HEINEKEN EXPERIENCE
Fundada em meados do século XIX por Gerard Adriaan Heineken a partir da compra de uma pequena cervejaria situada em Amsterdã, na Holanda, a Heineken é hoje uma das principais marcas do mundo e, certamente, um dos maiores fabricantes de cerveja do mercado. Já no inicio da sua história, a cervejaria primou por fomentar a inovação, o que garantiu a ela não apenas uma fórmula diferenciada – que se mantém ao longo de toda a sua história – mas um grande destaque no seu segmento, sendo premiada em 1875 com a “Medaille Do’r” em Paris e recebendo em 1889 “Diplome de Grand Prix” na World’s Fair, realizada também na capital francesa, feitos que são relembrados no rótulo do produto até hoje. Sua capacidade inovadora também pôde ser observada na sua estratégia de negócio, com a sua expansão internacional, chegando à África em 1900, à Ásia em 1929 e aos Estados Unidos em 1933 quando, após o fim da Lei Seca que vigorava no país, tornou-se a primeira cerveja importada na América.
Ao longo de sua história a empresa mostrou-se sempre comprometida a “viajar” e explorar o mundo, levando suas tradições e fazendo da Heineken uma marca de impacto e representatividade junto ao público. Para tanto foram feitas aquisições, como da sua maior rival, a Amstel, no fim dos anos 1960, e formuladas estratégias de marketing poderosas, tornando-se bastante popular ao redor do mundo. Hoje encontramos a logomarca da empresa patrocinando eventos importantes como a UEFA Champions League, maior campeonato de clubes de futebol da Europa, e o Rock in Rio, e presente em mais de 70 países com outras marcas abaixo do seu “guarda-chuva”, como a Sol, a Desperados (onde inovou com uma mistura entre cerveja e tequila), e a já mencionada Amstel, que foi mantida mesmo após sua compra.
A empresa se destaca por uma preocupação constante com o design. Contando com um rótulo icônico, outro elemento de destaque no produto é a sua tradicional garrafa verde, que a diferencia da grande maioria de suas concorrentes. Também inovou com a criação de novas embalagens como o barril de 5L e mais recentemente o THE SUB, elaborado em parceria com designer Marc Newson, e várias formas de expor a marca. Uma das mais atuais e interessantes é a igNITE, um acessório desenvolvido especialmente para adicionar luminosidade à garrafa e torna-la destaque em eventos e festas. Aliás, a empresa reserva um espaço direcionado à inovação, encorajando os pesquisadores a desenvolver avanços relacionados à fabricação, embalagens, forma de servir etc.
Como parte de um plano estratégico e de marketing exemplar, a empresa inaugurou em 2001, onde funcionava a sua primeira fábrica que havia sido desativada em 1988, um espaço projetado especialmente para contar a sua história e mostrar a todos a força e qualidade da cerveja, a Heineken Experience. Com 4 andares de “experiências interativas”, como descreve o site HeinekenCompany.com, o prédio conta com um museu, salas de eventos e reuniões, uma BrandStore onde são comercializados vários produtos licenciados, um estábulo – já que a empresa considera os cavalos uma parte importante de sua história por sua importância logística e caráter de embaixadores da marca, bares e uma série de atrações interativas, que incluem salas recheadas de telões com muita luz e música, projeções em 4D que mostram o processo produtivo aos “olhos de uma cerveja” e várias outras atrações que convidam o público a fazer parte da experiência Heineken. Ainda, um aplicativo de celular foi desenvolvido para iOS e Android, contando com versões em 9 idiomas, que mostram um pouco das instalações e da história dessa grande marca e desse espaço criado para celebrar a Heineken junto ao público.
Com uma passada rápida no site e nas redes sociais da Heineken é possível observar o quão impactantes são as experiências interativas oferecidas na Heineken Experience. Seja tirando uma foto segurando uma versão virtual do troféu do Campeão Europeu de Futebol, “conversando” com um mestre cervejeiro através de um vídeo ou ainda vivenciando toda a cadeia produtiva através de uma exibição em 4D, a Heineken proporciona aos visitantes do local sensações que marcam profundamente e tornam o passeio inesquecível, cativando mesmo aqueles que não são ávidos consumidores de seus produtos.
Em entrevistas com alguns visitantes, algumas dessas experiências puderam ser comprovadas: “Após passarmos pela antiga fábrica visitamos um cinema 4D que mostra o processo de fabricação como se fôssemos uma cerveja. Você balança, cai na água, é muito divertido. Em seguida entramos em uma sala muito bacana onde são exibidas várias campanhas publicitárias da empresa, que sempre são interessantes, e em seguida vamos a outro ambiente onde existem vários jogos interativos e opções de divertimento.” O relato da visitante mostra que visitar a Heineken Experience vai muito além de conhecer a história ou tomar algumas cervejas, mas as atrações cuidadosamente pensadas, com vários elementos digitais, e todo o cuidado do design do ambiente tornam a experiência realmente única.
CONCLUSÃO
A Ergonomia costuma ser associada aos seus aspectos físicos, mas vai muito além disso. Projetar algo buscando a melhor adequação àquele que irá utilizá-lo carece de uma observação ampla do que envolve a utilização do projeto por parte do usuário e as suas características e possíveis limitações. O estudo da ergonomia cognitiva proporciona um direcionamento para entender como as pessoas formam os seus pensamentos e desejos e a sua influência nas escolhas do dia-a-dia, devendo ser considerada por designers e empresários como uma poderosa ferramenta para compreender os indivíduos para os quais eles querem disponibilizar os seus produtos e serviços.
Entender como o designer, em seu papel de criador de interfaces entre ambiente/produto e usuário, pode contribuir, através de suas habilidades projetuais e visão diferenciada, para agregar valor às marcas e aproximá-las dos seus consumidores atuais e potenciais é essencial para empresas que buscam a constante inovação e posicionamento de destaque em seus segmentos. O mercado cada vez mais competitivo exige das companhias que tenham um enorme apreço com cada um de seus clientes, buscando não apenas agradá-los, mas surpreendê-los com seus produtos, valores e ações junto aos consumidores a comunidade em geral. Para tanto, os conhecimentos em design, gestão estratégica, branding, marketing, inovação e tecnologia assumem um papel importante para que as marcas possam crescer sustentavelmente e realmente cativar os seus consumidores, garantindo a longevidade dessa relação.
Através do case da Heineken Experience, pudemos constatar como a criação de interfaces digitais e a preocupação com a interação humano-computador (HIC), principal área de investigação da ergonomia cognitiva, pode ser utilizada a fim de criar experiências únicas aos usuários de um produto, sistema ou, no caso, um ambiente, agregando um valor intangível à marca que proporcionou momentos tão marcantes e que levaram em conta o que cada visitante gostaria de vivenciar em seu espaço. Fica claro que mais que um museu, fábrica ou bar temático, a Heineken Experience é um verdadeiro símbolo dos valores cultivados pela empresa e os seus visitantes e consumidores conseguem enxergar e compartilhar esses valores, ganhando um novo respeito e admiração pela marca, criando um laço emocional com a empresa e seu produto. Conforme afirma Clotilde Perez, em seu livro Signos da Marca (2004), as marcas ocupam um espaço psicológico nas mentes das pessoas, sendo um conteúdo dinâmico, orgânico e flexível. Ainda segundo a autora, “O espaço perceptual da marca pode ser utilizado como um espelho que reflete o estilo de vida e os valores do consumidor atual ou potencial.”.
Fica claro assim, verificar como ações de branding e design bem elaboradas e considerando o usuário como foco podem ajudar na melhor aceitação da marca perante o público e garantir um sucesso duradouro à empresa. As organizações devem cada vez mais buscar construir momentos de interação com seus clientes e as interfaces digitais funcionam como uma importante ferramenta para atrair e engajar os consumidores, proporcionando memórias e sentimentos que vão ficar marcados e serão acessados nos momentos de escolha entre a empresa e seus concorrentes. Mais do que investir milhões de dólares em melhorar produtos que muitas vezes já são de ótima qualidade, percebe-se que vale mais a pena disponibilizar recursos para manter e conquistar aquilo que irá garantir a saúde de qualquer empresa, os seus clientes.