O dia 25 de março de 2014 entrou para a história política brasileira nesta era digital. Após mais de sete anos de tensas discussões, desde a formulação do projeto, realização de audiências públicas, passando por debates e polêmicas entre políticos e empresas, o Marco Civil da Internet – projeto de lei 2.126/2011 – foi aprovado pelos deputados federais. É o primeiro passo para o estabelecimento da apelidada ‘Constituição da internet’ brasileira. O projeto segue agora para o Senado. Se for modificado pelos senadores, voltará à Câmara; caso seja aprovado, o Marco Civil da Internet seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff.
Com metas para a definição dos direitos, deveres e princípios da utilização e desenvolvimento da internet no Brasil, o Marco Civil foi apresentado oficialmente aos deputados federais em 2011, com relatoria do deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Entretanto, a falta de entendimento e consenso entre os parlamentares travou a tramitação do projeto. Em sessão movimentada na Câmara, após diversos adiamentos, finalmente o projeto de lei foi votado e, para o alívio da maioria, aprovado! Foram 17 votos a favor e um contra, do PPS.
Apoio civil e votação tranquila
Na noite da terça-feira (25), para viabilizar a votação do Marco Civil foi preciso muitas negociações entre a base aliada do governo e a oposição. Na quarta-feira (26) em todas as reportagens divulgadas nos principais portais de notícias brasileiros sobre a aprovação do Marco Civil, o destaque foi para as alterações do projeto, além da presença de manifestantes que defenderam o Marco Civil.
O presidente da Câmara, Deputado Federal Henrique Eduardo Alves (PMDB – RN), recebeu dos representantes de diversas entidades e Ongs, como a Intervozes e a Avaaz, uma petição a favor do Marco Civil com 344.343 assinaturas. Há alguns meses, as polêmicas em torno do Marco Civil foram agravadas por ações de lobby por parte de empresas de telecomunicações que eram desfavoráveis a alguns pontos do projeto, como a questão da neutralidade da rede. As teles acreditavam que a neutralidade poderia engessar as ações comerciais junto aos internautas.
O Marco Civil também gerou debates e brigas políticas acirradas, sobretudo entre PMDB e PT, em meio a crise em virtude dos apoios políticos visando as eleições 2014. Alguns parlamentares dos principais partidos de oposição, PSDB e DEM, também demonstraram-se insatisfeitos com alguns pontos do projeto. Diálogos e negociações foram necessários para que se chegasse a um consenso.
Aprovado após mudanças no texto
A aprovação do Marco Civil virou realidade com algumas alterações no texto do Projeto. Tanto que a votação foi tranquila, o que contrariou até mesmo o próprio presidente da Câmara, que na semana passada, havia declarado que a votação do Marco Civil iria entrar pela madrugada.
Durante a sessão, não houve qualquer medida que pudesse gerar o adiamento da votação. A avaliação dos líderes partidários que mudaram de posição é de que o texto aprovado foi o possível numa negociação que começou no final de outubro de 2013, quando o projeto passou a trancar a pauta de votações da Câmara.
A seguir, alguns dos pontos definidos com a aprovação:
Neutralidade da Rede: garantia somente após decreto
A chamada neutralidade da rede, um dos principais pontos do projeto do Marco Civil da Internet foi garantida, porém mediante regulamentação posterior que será feita através de decreto governamental. O relator determinou que o decreto para a regulamentação da neutralidade só será feito após o governo ouvir a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e o CGI (Comitê Gestor da Internet), o que agradou os parlamentares de oposição, que acusavam o PT de centralizar as discussões.
Com a neutralidade da rede fica proibida a discriminação por tráfego de dados, ou seja, o internauta tem total liberdade de acesso aos conteúdos na web. Os provedores não poderão cobrar preços diferenciados por pacotes de serviços (e-mails, vídeos ou redes sociais, por exemplo). Lembrando que ficam mantidas cobranças diferenciadas de acordo com a velocidade de acesso.
Em entrevista a imprensa, o relator Deputado Alessandro Molon afirmou que “A internet só chegou aonde chegou graças à neutralidade. Ela é a garantia de que o cidadão vai poder acessar o que quiser e não vai ser cobrado para baixar uma música ou acessar um vídeo, como as empresas querem fazer no Brasil e em outros países do mundo”.
Proteção à privacidade na internet e controle de dados
Muitos analistas e pesquisadores da área da comunicação digital tem divulgado que a aprovação do Marco Civil da Internet representa mais segurança para nós internautas, sobretudo no que diz respeito a proteção da nossa privacidade e ao controle dos dados na web.
Com o Marco Civil, os dados de quem usa a internet no Brasil passam a ser protegidos pela legislação brasileira. O Marco Civil garante um detalhe que não acontece hoje em dia: se você encerrar uma conta num e-mail ou em uma rede social, seus dados serão apagados. As empresas serão obrigadas a armazenar os dados por seis meses e eles só poderão ser acessados mediante solicitação judicial.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, destacou que o projeto obriga as empresas de internet que atuam no Brasil a se sujeitar às leis brasileiras. “Algumas empresas alegam que os dados são armazenados em outro país e, por isso, só podem ser acessados com autorização da Justiça de onde estão os dados. Agora, os dados de quem usa internet passarão a ser protegidos pela legislação brasileira. Em caso de violação, quem violou estará sujeito à responsabilização judicial”.
Proibição do marketing dirigido
Este é um dos pontos da aprovação do Marco Civil que deverá gerar muitos debates entre os profissionais da comunicação digital. De acordo com o projeto, as empresas de acesso não poderão espiar o conteúdo das informações trocadas pelos usuários na rede. Isso costuma ser feito visando interesses comerciais, principalmente através de monitoramentos do comportamento do internauta para fins publicitários. Exemplos: as empresas Facebook e Google enviam seus anúncios com base nos dados disponibilizados pelos usuários e mensagens trocadas entre os internautas. As novas regras não permitirão a formação de bases de clientes para marketing dirigido, segundo o relator. Será proibido monitorar, filtrar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados, com exceções previstas por lei.
Violação da intimidade e controle de acesso das crianças e adolescentes
Também passou por alterações o artigo que trata da retirada de material com cenas de nudez sem a autorização das pessoas envolvidas. Segundo o relator, o pedido de retirada dos dados que violam a intimidade deve ser apresentado pela pessoa vítima da violação e não pelo ofendido.
E com relação ao controle parental de acesso, um novo artigo foi incluído: o que prevê o apoio do poder público para que os pais possam escolher programas de controle de acesso à internet para usá-los com o objetivo de evitar o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos inadequados para determinadas idades. Isso deverá render ainda muitas discussões.
Fim da exigência de instalação de data centers
Foi retirado do projeto a obrigatoriedade de manutenção de data centers (centros de dados para armazenamento de informações) no país para empresas estrangeiras com atuação nacional. No ano passado a instalação de data centers no Brasil havia sido incluída no texto do Marco Civil a pedido do governo, após as denúncias de espionagens da Agência de Segurança dos Estados Unidos (NSA), que inclusive envolveram informações violadas do Governo Federal. Dentre os argumentos que reforçaram a retirada deste item, a opinião de alguns deputados que alegaram que este ponto poderia gerar mais custos para os usuários.
Liberdade de expressão
A aprovação do Marco Civil também simboliza avanços na liberdade de expressão. O projeto impede que os provedores façam censura prévia dos conteúdos publicados na web. Sobre este assunto, está escrito no artigo 19:
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente“.
Em Abril: Marco Civil será destaque no NetMundial
Na quarta-feira (26) em audiência com deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que a aprovação do Marco Civil fortalece o Brasil no debate mundial sobre governança da rede que será realizado durante o NetMundial, evento que o país estará sediando em Abril.
O ministro reforçou que quer agilidade e rapidez dos senadores na deliberação do Marco Civil. “Como foi muito discutido na Câmara, 45 dias é bastante para um projeto que já é conhecido.”, disse. O prazo de 45 dias se deve ao fato de o projeto de lei continuar tramitando em regime de urgência constitucional. Vencido este prazo, o texto passa a trancar a pauta do Plenário (com informações da Câmara dos Deputados, Convergência Digital, G1, Mundo Bit e Brasil Post).
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